pra ter o que falar



Os oito últimos dias foram um verdadeiro caos. Talvez os 12 últimos dias. Melhor, os 42 últimos dias tinham sido uma tormenta absurda. Mas, principalmente os últimos oito. Coitada dela, até ajeitar um canto que agora chama de dela e depois ficar no tal canto medindo as paredes com os olhos e apertando os suspiros pra não desmoronar ali, sozinha. É o canto mais colorido que ela poderia imaginar. A cara dela. Até o ato de colocar o papel higiênico no suporte com bolas verdes parecia um ritual de desapego. Depois fazer o chá verde na caneca de espirais laranjas. Depois colocar um disco de jazz e fumar um cigarro de cravo na sacada, olhando o nada e esperando qualquer vento que a tocasse. Nada. Pensou em jogar os cactos do sexto andar, só pra causar dano, pobre dos cactos. Vestiu todas as roupas da arara fazendo combinações divertidas. Leu três revistas com as pernas pro ar. Viu seis filmes. Comeu duas barras de chocolate e duas bacias de pipoca. Chorou. Andou pela calçada de saia e sandálias, carregando livros pra ver se alguém batia, derrubava e ela pelo menos podia dizer “não foi nada”. Depois escreveu alguns roteiros. Fez algum trabalho. Tomou alguns cafés. Depois veio a segunda e a maldita terça. Esfriou muito e ela finalmente pode usar os cachecóis e os lenços coloridos. Ela teve frio e febre, e descobriu que era metade do caminho pra alguma coisa importante. Tudo bem, ela nem se achava grande coisa mesmo. Depois de saber que era metade do caminho e de contarem pra ela que ela era importante e querida ela desmoronou. Desmoronou porque tudo acontecia com ela, coitada. Tudo bem que não estava em paz com ninguém, porque não tinha/tem ninguém. Nem com ela mesma estava em paz, mas queria e gostava de pensar que sim, que estava. Mas não estava, facto. Ela não entende de ser valente, até pensava que entendia, mas cansou de pensar e decidiu virar covarde. Não dá?! Ok. Anda fraca, a pobre. Não quer mais insistir sem fé. Não quer mais dar a cara a tapa. Acha que incorporou o egoísmo. Acha.


Sabe o que aconteceu com ela, daí?
Depois daquele que foi o segundo pior dia da sua vida, passou no supermercado, pensando encontrar algum entendedor de vinhos que a ajudasse a escolher. Não encontrou o entendedor, mas encontrou uma porção de vinhos. Comprou um. Um chocolate. Um cigarro de cravo. Uns panos amarelos de copa. Uma taça. Até pensou em comprar duas, mas, pra que?! Comprou uma, voltou pra casa tilintando de frio pelas calçadas vazias e fez um brinde à sua mais sincera companhia: ela.

Comentários

c. disse…
Ah, moça...tu sabe, quando precisar ainda tem a tua guria de apartamento aqui, pra dividir as compras do mercado, comprar pipocas cinematográficas, ver nossos filmes ou não vê-los e até pra pagar mico na sinuca.E agora já é tarde, até tenho uma colher na tua casa :)

Ficaremos bem sim, e depois que tudo passar, as histórias vividas ainda nos servirão para vários roteiros.

Vida longa ao caclete ;]