Dopping

Era só uma dor no joelho. Doutor, eu só não consigo dobrá-lo, entende? É só isso. Não, eu não preciso ir pra sala dos doentes e grávidas. Não doutor, eu não preciso de soro nem de calmantes, entende? Amarela? Eu, amarela? hahaha... Não doutor, não estive chorando nem aconteceu nada ruim nos últimos dias. Estou perfeita, viu? Só o joelho que está travado. Ei, ei, essa agulha inteira? Na minha mão, não moça, não, o doutor deve ter se enganado, isso, eu não deveria estar aqui, olha só, eu preciso ir porque marquei de ir me jogar do penhasco amanhã e ainda não escrevi a carta do adeus. Oh... como dói essa porra.

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Mais de quatro horas sendo dopada lentamente... dormir, variar, pensar, mentir. Plim, plim, na transparência daquele soro. Vermelho do sangue escorrendo pela veia delgada. Branca, amarela, roxa.

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Um vez eu disse à ele que achava o amor dos dois tão bonito, tão completo. Que não entendia porque não dava certo, e ele nunca me contou... Uma vez até ralhou: "para que quer saber? julgar-me? julgá-la?". Então eu me calei e nunca mais falei sobre. Continuei achando bonito. Querendo um assim pra mim. Até que fui sumindo no meio daquilo tudo. Nem ele, nem eu. E ele insistiu que merecíamos uma chance. Mudei de cidade, mudei de vida... Pra que? O meu passado enterrei e tenho certeza de poder cantarolar por cima, ao menos pra isso valeu o esforço todo.

agora? agora eu preciso de passagens urgentes pra qualquer lugar longe daqui.

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Ok doutor, obrigada... Não, eu não vou voltar nunca mais. Sim, estou te ouvindo. Sim, estou com os olhos abertos? Veja: são amarelos.

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