sonharél.

Eu só queria comprar uma lapiseira amarela e o rapaz do caixa puxou papo dizendo que memémé e blábláblá que eu sempre andava pelos cafés da cidade tomando chá gelado e fumando cigarrinhos a vulso e quando eu vi aquela mulher que mais parecia um travesti grudou a boca vermelha dela na minha e depois sussurou no meu ouvido que estaria me esperando às oito horas em qualquer lugar que tivesse conhaque e eu fiquei apavorada porque estava naquele estadinho pós-acampamento onde a barras das calças e os sapatos se confundem com a própria terra e gritei por socorro mais aí apareceu uma outro senhora dessas com rugas e verrugas cheia de anéis e brincos e pulseiras e me olhou ameaçadora aí o moço do caixa disse por favor deixem a guria porque ela precisa encontrar as amigas pra ir na FEISMA e eu não encontrava o meu guarda-chuvas aí tive que ir numa casa que eu não queria pra buscar o meu guarda-chuva globalizado e quem me abriu a porta não tinha mais rosto, quer dizer, tinha rosto mas eu só conseguir ver as lágrimas porque eram muitas e muitas e dessas muito tristes e eu tive vontade de abraçar mas aquelas grades impediram e então eu saí correndo saltando as poças e pulando alguns cavaletes de trânsito até que caí num buraco fundo fundo fundo e alguém disse, minha nossa, pobrezinha, tão jovem e aconteceu isso e eu não entendi o que havia acontecido até que disseram que eu estava morta morta e eu não queria estar, eu poderia estar tudo menos morta porque eu ainda tinha que terminar um manual de marcas, gravar os cedes com as fotos, ir na feisma, na bienal, na feira do livro, na aula de direção de arte, no meu aniversário, na expo do lucas, para londres, para madrid, para milão... eu ainda tinha tantas, tantas coisas pra fazer que morta eu não poderia estar. Mas estava. E daí?!

Acordei. Sozinha em casa. O coração pulando na mão. Viva.

Comentários