Confessionário

Sei que sou uma garota perturbada, algumas vezes. Na maioria delas, porém, delas, das vezes, na maioria delas, ou melhor, na maior parte das vezes, eu sou bem normal. Eu nasci, fui à escola, estudei como digna caçula e única menina. Fiz amigos. Viajei. Recebi um diploma. Estudei pra isso, meus pais, bem, meus pais trabalharam dura pra que eu tivesse tal formação. Venho de uma família sólida e, pode-se dizer, de uma família feliz. Muitos tios, primos, natais em festa. Sei que sou uma garota perturbada, algumas vezes. O que acontece é que eu aprendi a sempre querer o melhor, a querer fazer o melhor. Isso tudo, isso tudo com a educação que o meu pai borracheiro e a minha mãe funcionária pública me permitiram ter.

Querer mais. Fazer o melhor. Ser honesta. Ser honesta. Poder deitar a cabeça no travesseiro e estar em paz. Isso eles me ensinaram. Isso eu quero ter para sempre.

Eu sei que sou uma garota perturbada, algumas vezes. Mas ele, ahhh, ele é muito mais. Talvez seja a falta da base, pensei vez ou outra. Mas ele, ahhh, ele é o ser mais dicotômico que conheci na vida. Sabe o que eu sinto? Pena. Se faz na contradição e é pego pelo próprio rabo. Ele é a pessoa mais perturbada e mentirosa que conheci na vida inteira. Talvez não o faça planejando, talvez o faça porque não consegue ser melhor. Vive falsamente e alimenta falsos sonhos. Diz que não sonha, mas, ahhh, sei como sonha.

Eu sei que sou uma garota perturbada, mas pessoal, eu estou numa boa. Numa ótima. Eu tenho um bom emprego, posso comprar as bolsas bacanas da Maria Muquifo. Posso produzir a arte de um curta. Posso ler. Posso dormir pelas manhãs e passear no meia da tarde. Eu posso fazer planos. Eu posso viajar amanhã.

Eu só não posso é dizer pra ele o que eu quero. Porque isso, isso me tiraria o sono. Tiraria mais do que o sono que ele não tem quando se lembra de mim.

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