Quarta

Aconteceu que quando olhava para dentro de mim fui interrompida.
Ele estava assustado: um adulto frágil e assustado. Sentou-se aos meus pés. Tentei voltar-me outra vez mas foi impossível: seu corpo de homem adulto e assustado disposto a arrancar minha indiferença, seus olhos que ainda não sei definir a cor - e talvez nunca precise definir - dispostos a arrancar minha segurança. Sim! Ao final gritei que só queria que me levassem pela mão, aonde fosse, que já não me importava nada, que éramos ridículos e que ele era o mais ridículo de todos. Respiramos. Eu, pelo menos, respirei. Tenho consciência de que tudo isso que estamos vivendo deixará de existir em breve. Talvez tenha deixado de existir neste exato momento: sentado os meus pés com os olhos cuja cor não sei definir disse que sabia mentir. De aí parou-se e, pela primeira vez, me abraçou. Não pude sentir seu cheiro nem dizer que neste momento era absolutamente evidente que minha vida dependia unicamente dele. Lembrei de abandonar qualquer pergunta e me ocorreu uma intenção de adiar o silêncio. Eu gritaria, gritaria que era um martírio e que não era justo, que não podia, que não devíamos depender unicamente de outra pessoa para viver mas que naquele exato momento era tudo o que eu queria e era tudo o que eu precisava e sabia que ele também precisava imediatamente disso e que embora fossemos profundamente desconhecidos nunca tinha podido ver com tamanha transparência no meio da escuridão.
Outra vez não sei como encontrá-lo. Poderei viver milhares de séculos sem saber. Mas observem vocês: eu não aspirava nada e uma coisa assim de preciosa alvoroçou minha vida inteira. Tudo igual entre nós. Estou convencida de que olhar para dentro de mim não será, outra vez, possível.

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